sexta-feira, maio 04, 2018

7h30 - rascunho não publicado de anos atrás

Porque eram 7h30 da manhã e eu queria ser poeta o bastante pra bater na porta de um amor amigo e obrigá-lo convidá-lo a sair comigo. Tomar mais uma e conversar apaixonadamente sobre a vida num fim de noite louco feliz.

Escócia

A saudade é meu forte
erguido numa ilha
no Mar do Norte

terça-feira, agosto 18, 2009

Buenos Aires, 17 de Janeiro de 2009

"Le Bonheur n'est pas gai."
Jean-Luc Godard - Vivre sa vie

Parque Rivadavia, Buenos Aires.

Meu último dia inteiro aqui. E que dia bom. Comemos num restaurante bom perto da Corrientes. Comprei alfajores, um filme para minha mãe (é o Kamchatka) e para o meu pai a Rayuela. Fim das ansiedades com presentes, sem arrependimentos ou qualquer coisa do gênero.

Que bom! Que tranqüilo! Parece que estou sabendo me dar com os frios no coração, não de maneira conformista, superficial. Acordei semi-ressaca. A balada ontem foi ruim como balada, mas perfeita no meu aprendizado -aceitação-evolução de mim mesmo e da minha relação com o mundo.

Houve uma americana encantadora, uma rápida paixão. Não rolou. Um empecílio e minha rápida desistência. Tudo bem. Tudo bem do bem. Trocamos sorrisos e eu consegui decorar seu e-mail, no final. Cheguei em casa e mandei um xaveco poético via internet. Quem sabe a gente não se vê um dia?

Podia ter acordado deprimido, ou até acordei um pouco. Arrependimento? Sou ridículo? Foda-se!

No... no regrets.

Mais um dia quente após sonhos pertubadores. Ondas gigantes em Buenos Aires, compromissos, distância.

Mas a rua, o vento, o dia lindo; o dia se tornou lindo por dentro e por fora.

Aprecio uma visão agora que não terei mais. Meu irmão do meu lado. Por dentro e por fora. Estamos no Parque Rivadavia diante de uma árvore grande, bela e estranha, circundada por uma murada. Várias crianças nas raízes da árvore. Lindas crianças porteñas. Os bancos em volta. Civilização em paz. Numa murada-banco, diante de mim, senhoras de uns 50 anos dividem seu mate. Ou só a loira bebe. Não, passou para a amiga. Dois chicos sentaram ao seu lado. À minha direita dois homens e uma mulher conversam de boa. Bicicletas pequenas diante deles. Com certeza são pais das crianças na raiz.

Num banco mais distante à esquerda, três velhinhas sentadas. Conversam e sorriem.

A luz, mesmo de verão está linda. A sombra da minha mão esquerda é azul e escreve sobre o caderno.

Aaaaaah. O vento. Os sorrisos!

- Gaby, anda con los chicos, David! (Ou será Gáby?)
- Tengo sede!
- No esteja solo! Donde esta...

Mãe preocupada.
Gaby joga a tampa da garrafinha.

Muitas pombas ciscam entre luz, sombra, pedregulhos e grama.

O vento vai e volta. É vento e não vento. E às vezes levanta a terra e faz cortina de luz.

Sou feliz de uma felicidade minha; não totalmente alegre e por isso perfeitamente minha.

- Helado! Helado!
- Agua! Helado!

Não quero ser nada do que não sou.

Hoje estou solamente pleno.

sexta-feira, outubro 24, 2008

Criado Mudo

O criado mudo disse para a secretária eletrônica:
- Sabia que nos Estados Unidos se diz "answer machine"?
- Ah, é?
- É. "Secretária eletrônica" é um nome que diz bastante sobre nossa cultura escravocrata, não acha?
- Cala a boca, criado mudo.  

quinta-feira, setembro 20, 2007

Abricó

Abricó abri às dentadas, revoltadas de si e de mim.
Quero que se exploda se me explodo,
se não sou nada,
ninguém é nada.

Tanto que todos se enganam
Que no seu enganar aos outros convencem
Mas para mim
Nada é maior que o olhar de um cão.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Grampos e Gatos

Quando no dia seguinte recolhia grampos de cabelo pela casa, não podia deixar de pensar na imagem de uma gata que marca território. Não que ela o fizesse de propósito, era como se fosse instintivo, natural, como uma glândula de feromônios da qual não se têm controle. Ele não a via tirando os grampos do cabelo e colocando-os nos mais diversos cantos, mas no dia seguinte eles estavam lá, na mesa do escritório, na sala, na cozinha, na copa, no quarto, por onde eles tinham e não tinham se agarrado, e se devorado, como gatos.
A imagem de gatos lhe era muito forte. Quando criança via a sua gata nos telhados dando para diversos gatos e lhe impressionava a violência do ato, os berros, as patadas, o fato de lhe comerem sem que ela os autorizasse, pelo menos não por completo, tendo que haver uma espécie de imposição. E mesmo com esse aprendizado, quando mais tarde se tornou homem, não tinha vontade e nada impunha a nenhuma mulher. Com as santas era santo e só ia longe com as libertinas.
A sua gata dos grampos era um libertina. Discreta e quase careta nos meios sociais, surpreendera-o louca na cama. Não que ela conduzisse tudo, pelo contrário, mas sabia mostrar-lhe até onde queria e podia ir. E ele sempre só ia até os limites impostos, de modo que se fosse gato, não deixaria prole.
Foi assim que se viu sozinho aquela tarde. Queria que ela tivesse ficado para almoçar, mas ela sempre fazia só o que queria. E quando fez menção de ir, ele até ameaçou trancar-lhe no quarto, brincando. Mas ao mínimo sinal de descontentamento e impaciência dela, cedeu. 
Logo estava a pegar grampos sozinho pela casa vazia e bagunçada.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Água

Quero chorar sob a água
chorar essa mágoa
de um choro de anos
que nem mesmo eu sei

Quero chorar sob a água
contraindo meus músculos
misturando as lágrimas
que nunca verei

Quero chorar no chuveiro
chorar choro inteiro
chorar escondido
um choro proibido

Quero chorar litros d’água
ela que lava
ela que apaga
quero chorar água por água.

quinta-feira, novembro 30, 2006

A fumaça fedeu na boca de Sofia

A fumaça fedeu na boca de Sofia. Apagou o cigarro ruim, o copo de cerveja não foi o suficiente para o tabaco ficar bom, assim como os amigos em volta, azuis. Amigos? Sentia-se sozinha pra caralho. Solidão com gente em volta falando merda com se fosse coisa importante, pseudo-psicanalizando relações, babacas. Culpa. Sentia-se mal por pensar coisas ruins de quem amava.
Olhava luz dos semáforos, borravam. Pensou em escrever algo, mas não queria chamar a atenção. Alguém falou algo interessante, algo sobre a vanguarda ser careta e os caretas serem vanguarda:
- Você vê o Balzac, puta reaça, mas só escrevia pra frente, dissecando a babaquice da sociedade francesa napoleonesca, só falando coisa revolucionária, pensando a mulher com um puta olhar novo. Depois vem o Vitor Hugo, os Miseráveis e pá. E daí? o cara discursava e só. Ou mesmo o Nelson Rodrigues, apoiava a Ditadura, mas cuspia na sociedade que apoiava também. Daí vem um bosta que nem o Geraldo Vandré, puta musica ruim e faz maior sucesso, claro, vanguardinha...
Vai tomar no cu. Essa era coisa mais interessante que ouvia na noite inteira. Por que estava tudo tão ruim?
Cândida, a boa, pegou amiga na sua perna:
- O que você tem?
Pensou em chumbo nas veias, mas tava mais pra vazio do que pra peso.
- Vâmo pedir mais uma? - desviou Sofia.
O cara do Nelson Rodrigues gostou:
- É isso aí Songuita, enchamos a cara porque não tem nada melhor pra fazer.
- Ein? O que você tem?
- Que é meu? Te conheço? – eram melhores amigas.
Magoada, Cândida, a não tão boa, resolveu magoar o outro, que a amava. Sofia observou e guardou. Observar e guardar. Isso é bom de se fazer a noite num bar em que nada acontece como aquele.
Estavam todos perdidos. Sofia começava a perceber. Achava que era a cidade, mas não era. Achou que era o mundo. Bob Marley e Cardeal Arcoverde destoavam, mas não tanto, se visto de perto. Chegou cerveja e batata de conserva. Punha pra dentro.
Na mesa a conversa era cinema e ela já tinha visto todos os filmes dos quais estavam falando. Percebeu que outro garoto não. Ele sempre ficava fora das conversas, mas quando falava Sofia gostava de ouvir. Pois foi o silêncio dele que ela ficou ouvindo, até se apaixonar. Se apaixonou. Mostrou-se. Ele percebeu e travou. Desapaixonou. Acenderam cigarros. Beberam. Fez as pazes com Cândida, que não tava entendo nada.
Esse cigarro sim estava bom. Sofia achou uma pena. A vida continuou.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Sem Conflitos

andam abracados na chuva
ele a protege
e pergunta,
encostando-a num muro,
murmurando
- é possivel tanto amor?

antes era só idéia
vaga solidão
esperanca

agora ali
o amor acontecia
sim!
um do outro
sem duvida
sem medo
com avidez e alegria

como num péssimo poema
sem conflitos.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Fluindo

Leve
no corredor de uma feira,
o corpo permeia
os cheiros e o espaço.

Venta,
o cabelo balança,
o pêlo levanta
e há cheiro de chuva.

Toca,
o dedo tudo toca,
lindas flores,
de encher a boca.

Mas parte,
na tarde caindo,
quebrando a arte,
o corpo fluindo.