segunda-feira, dezembro 18, 2006

Água

Quero chorar sob a água
chorar essa mágoa
de um choro de anos
que nem mesmo eu sei

Quero chorar sob a água
contraindo meus músculos
misturando as lágrimas
que nunca verei

Quero chorar no chuveiro
chorar choro inteiro
chorar escondido
um choro proibido

Quero chorar litros d’água
ela que lava
ela que apaga
quero chorar água por água.

quinta-feira, novembro 30, 2006

A fumaça fedeu na boca de Sofia

A fumaça fedeu na boca de Sofia. Apagou o cigarro ruim, o copo de cerveja não foi o suficiente para o tabaco ficar bom, assim como os amigos em volta, azuis. Amigos? Sentia-se sozinha pra caralho. Solidão com gente em volta falando merda com se fosse coisa importante, pseudo-psicanalizando relações, babacas. Culpa. Sentia-se mal por pensar coisas ruins de quem amava.
Olhava luz dos semáforos, borravam. Pensou em escrever algo, mas não queria chamar a atenção. Alguém falou algo interessante, algo sobre a vanguarda ser careta e os caretas serem vanguarda:
- Você vê o Balzac, puta reaça, mas só escrevia pra frente, dissecando a babaquice da sociedade francesa napoleonesca, só falando coisa revolucionária, pensando a mulher com um puta olhar novo. Depois vem o Vitor Hugo, os Miseráveis e pá. E daí? o cara discursava e só. Ou mesmo o Nelson Rodrigues, apoiava a Ditadura, mas cuspia na sociedade que apoiava também. Daí vem um bosta que nem o Geraldo Vandré, puta musica ruim e faz maior sucesso, claro, vanguardinha...
Vai tomar no cu. Essa era coisa mais interessante que ouvia na noite inteira. Por que estava tudo tão ruim?
Cândida, a boa, pegou amiga na sua perna:
- O que você tem?
Pensou em chumbo nas veias, mas tava mais pra vazio do que pra peso.
- Vâmo pedir mais uma? - desviou Sofia.
O cara do Nelson Rodrigues gostou:
- É isso aí Songuita, enchamos a cara porque não tem nada melhor pra fazer.
- Ein? O que você tem?
- Que é meu? Te conheço? – eram melhores amigas.
Magoada, Cândida, a não tão boa, resolveu magoar o outro, que a amava. Sofia observou e guardou. Observar e guardar. Isso é bom de se fazer a noite num bar em que nada acontece como aquele.
Estavam todos perdidos. Sofia começava a perceber. Achava que era a cidade, mas não era. Achou que era o mundo. Bob Marley e Cardeal Arcoverde destoavam, mas não tanto, se visto de perto. Chegou cerveja e batata de conserva. Punha pra dentro.
Na mesa a conversa era cinema e ela já tinha visto todos os filmes dos quais estavam falando. Percebeu que outro garoto não. Ele sempre ficava fora das conversas, mas quando falava Sofia gostava de ouvir. Pois foi o silêncio dele que ela ficou ouvindo, até se apaixonar. Se apaixonou. Mostrou-se. Ele percebeu e travou. Desapaixonou. Acenderam cigarros. Beberam. Fez as pazes com Cândida, que não tava entendo nada.
Esse cigarro sim estava bom. Sofia achou uma pena. A vida continuou.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Sem Conflitos

andam abracados na chuva
ele a protege
e pergunta,
encostando-a num muro,
murmurando
- é possivel tanto amor?

antes era só idéia
vaga solidão
esperanca

agora ali
o amor acontecia
sim!
um do outro
sem duvida
sem medo
com avidez e alegria

como num péssimo poema
sem conflitos.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Fluindo

Leve
no corredor de uma feira,
o corpo permeia
os cheiros e o espaço.

Venta,
o cabelo balança,
o pêlo levanta
e há cheiro de chuva.

Toca,
o dedo tudo toca,
lindas flores,
de encher a boca.

Mas parte,
na tarde caindo,
quebrando a arte,
o corpo fluindo.